Em Cuba, chamam-nas de jineteras. Referência a mulheres (mas também a homens, os jineteros) que, em troca de dinheiro, oferecem afetos, inclusive sexuais. A palavra é usada como sinônimo de prostituição, mas abarca práticas sofisticadas de extorsão, algumas vezes travestidas de relações corriqueiras. O termo também inclui o crime de turismo sexual.
É difícil compreender o que é o jineterismo. Para isso, consultei o pesquisador colombo-venezuelano Jeudiel Martínez:
“É um espectro. Tem pessoas que praticam a simples prostituição, tem aquelas que são escorts de gringos e os acompanham simulando relacionamentos, tem aquelas que seduzem gringos para sair da ilha… o conjunto dessas práticas é o jineterismo.”
Algumas jineteras cobram dos estrangeiros por hora; outras os acompanham por dias ou semanas, e só então recebem pagamento. Há ainda intercâmbios mais complexos, como as que, valendo-se da beleza, seduzem clientes para conseguir ajuda para sair da ilha ou, na impossibilidade disso, para viver em condições melhores. “O conceito de jinetera se expandiu. Significa prostituta, mas, por extensão ou metonímia, virou termo para designar práticas de intercâmbio de sexo e afeto por dinheiro. Não se trata de um golpe. Se dão golpe em gringo, o governo vai punir muito severamente. Não tem espaço pra isso em Cuba, é um Estado policial”, conta Jeudiel, que ao visitar o país de Castro experimentou na pele a dificuldade de escapar da teia de sedução das jineteras:
“Escolhi mudar de rua para evitar passar pelo corredor de mulheres. Sabia que seria difícil recusar”, lembra.
Muitas tentam seduzir descrevendo suas especialidades sexuais. Se a primeira reação é rir, Jeudiel logo corrige: “Imagina o desespero da pessoa para fazer isso?”. Difícil discordar da imagem de desespero que ele desenha, especialmente quando pensamos na miséria crescente no Brasil.
Se é puro desespero ou se é escolha, a resposta não cabe aqui. O que cabe é a aproximação entre a jinetera e o malandro carioca: “Ela se aproveita da vulnerabilidade (paixão) do gringo para tramar como sair da ilha ou obter favores. Basicamente é prostituição, embora o relacionamento possa ser real ou não. É algo ambíguo”, conclui Jeudiel.
Esse nome especial, jineteras, segundo o Dicionário da Real Academia Espanhola, deriva de jinete e jinetear: realizar negócios ilícitos com estrangeiros para obter moeda forte; e também mulher que exerce a prostituição com clientes estrangeiros. Ou seja, aplica-se tanto ao malandro que sobrevive de cambalachos quanto àquele que vende o corpo — sempre e somente para estrangeiros.
No romance Las Criadas de La Habana, Pérez Sarduy narra, pela perspectiva feminina, um encontro sexual: “quando trepava em cima deles era como se estivesse montando um cavalo e lhes dizia que ficassem tranquilinhos, que agora era ela que iria começar a jinetear.” O verbo se refere não só ao cubano como cavalo xucro e indômito, rebelde contra a domesticação pelos yanquis imperialistas, mas também ao malandro escolarizado que usa lábia, beleza e inteligência para montar nos gringos e obter tudo deles.
De todo modo, o jineterismo tornou-se metáfora por excelência das relações entre Cuba e o mundo exterior. E, no universo feminino, as jineteras não são exclusividade da ilha. Quem não conhece, entre nós, a figura da mulher sozinha que sustenta filhos e mãe com a prostituição? Mercados inteiros funcionam sobre essa lógica. Prova disso é a Vila Mimosa, um dos mais famosos centros de prostituição do Brasil.
Ali, a discrepância é gritante: movimenta-se cerca de um milhão de reais por mês, enquanto os programas custam entre R$ 40 e R$ 70. Até 2015, essa região notívaga carioca, entre a Praça da Bandeira e São Cristóvão, abrigava 150 comerciantes. A engrenagem do faturamento mensal eram, sem dúvida, as garotas de programa, que chegavam a lucrar R$ 700 por dia. As cerca de 70 casas do polo recebiam mais de 4.000 visitas diárias. O fenômeno empresarial mostrou que não só as famílias das profissionais lucram com a indústria do sexo: bares, estacionamentos, lanchonetes, salões de beleza, oficinas mecânicas, lavanderias, táxis e ambulantes também dividem até hoje a clientela desse sub-bairro da zona norte.
